dimanche 28 février 2010

Para um melhor pluralismo, melhores valores


A medida que vamos caminhando no difícil passeio da vida, parece que vai sendo cada vez mais claro que tudo na vida é uma questão de equilíbrio: se eu comer demasiado por exemplo, o meu corpo enfraquece; no entanto, se eu não comer o suficiente, o meu corpo vai também enfraquecer. Somos seres humanos e, por sê-los, partilhamos todos características comuns ou diferentes. E é este um dos meus pontos neste ensaio: estas particularidades nos mostram que a moral não é nem relativa nem monista mas uma subtil mistura dos dois.

Ou seja, temos hoje em dia muitas dificuldades em estarmos insensíveis perante um assassino que andaria a matar a torto e a direito. No entanto, sabemos também que a moral não é sempre um absoluto. Ou seja, é no igualmente dificilmente concebível que tenhamos todos que acreditar em deuses ou num partido sem sermos castigados. No entanto, o que sabemos é que existem, por um lado, valores absolutos que em nenhum caso devemos ultrapassar e, por outro lado, valores relativos muito discutíveis. Ou seja, o verdadeiro problema hoje em dia já não é escolher entre monismo e relativismo, sabemos que no meio está a virtude. O problema é mais saber onde se encontra esse meio.

Com efeito, a fronteira entre o que parece ser um valor absoluto e um valor relativo é bastante ténue. Ainda por cima, quando encontramos o que parece ser um valor absoluto, temos quase invariavelmente a tendência em tentar encontrar a dolorosa excepção. A questão da dignidade humana por exemplo. Esta está consagrada nos direitos dos homens mas questões como o aborto ou a eutanásia não são temas óbvios e nada nos diz que estes não vão contra a dignidade intocável do próprio homem. Uns dizem que sim, outros que não. Os dois campos, de modo geral acho eu, estão de boa fé… mas isto não resolve a pergunta. A questão acaba portanto por ser: que meios temos nós para podermos alcançar e definir, de forma geral e precisa, um valor absoluto? Como é que os nossos antepassados fizeram para decidirem, ao longo do tempo, que determinado valor devia ser inalterável, intocável, atemporal e universal?

Aos meus olhos, há duas formas para responder a isso com maior facilidade. Duas ferramentas que, apesar de não resolverem completamente o assunto, ajudam grandemente para distinguirmos melhor a barreira entre valores relativos e absolutos. Estas vão poder, desta forma, definir melhor a liberdade e melhorar um pouco mais o pluralismo actual que está mergulhado num tremendo relativismo de valores. Estas duas ferramentas são “ razão” e “sensibilidade”. Vou começar por tentar explicar a ferramenta “razão”, é aquela que parece-me ser a mais simples das duas e que deve nos dar resultados talvez mais precisos sobre os valores que queremos alcançar. No entanto, não vou explica-la de qualquer maneira: vou tentar corrobora-la com a famosa experiência de Milgram.

A experiência de Milgram funciona desta forma: são pedidos voluntários para participar numa experiência que é, supostamente, relacionada com “o estudo sobre a memória”. Faz-se então entrar um voluntário e dois cientistas explicam-lhe que esta experiência tem por objectivo determinar a que grau de dor é que um ser humano estimula melhor a sua memória (como quando um professor dava uma bofetada a um aluno por ele responder mal). Para isso, o sujeito (que vai ser o “professor”) vai ser posto perante uma falsa máquina de dar choques e ele vai ter que aumentar os volts se o “aluno” (um actor) responde mal a uma das suas perguntas (por exemplo, o “professor” diz uma serie de palavras e quando o “aluno” não a repete correctamente, aumenta-se a intensidade do choque). Um cientista é posto atrás do “professor” e, quando este vai querer parar a experiência ao ver o sofrimento cada vez maior (e simulado) do “aluno”, o cientista vai ter que, quatro vezes, lhe ordenar de ele continuar a experiência. À quarta vez, pára-se tudo e é explicado ao voluntário que o “aluno” era um actor, que não se fez mal a ninguém, que tudo era apenas uma encenação. Se o “professor” não exigir de parar entretanto, a experiência para quando ele terá dado três cargas de 450 volts ao “aluno”.

Não é espantoso, até para quem já sabe o resultado esta experiência, o facto de saber que em média 65% das pessoas acabam por atingir os 450 volts? Será que isso significa que o Homem é, por natureza, um verdadeiro monstro? Nem por isso. Houve várias interpretações desta teoria mas aquela que me parece ser a mais credível é aquela da filósofa Alemã Hannah Arendt quando esta nos fala do conceito de “banalidade do mal”. Ao assistir ao processo do criminal nazi Adolf Eichmann em 1961, Hannah Arendt reparou que ele não era o “monstro sanguinário” que os media muitas vezes descreviam: na verdade, ela o descreve como um funcionário um bocado estúpido, submisso e sem noção de bem e de mal. Para ela, era exactamente esse o mais terrível poder do sistema nazi: não a sua capacidade em criar “monstros” mas a sua habilidade em fazer que as pessoas parassem de pensar e que, por vontade de cumprirem os seus deveres, por vontade de quererem progredir na carreira, as pessoas já não distinguissem bem ou mal por já não pensarem nela. É isso o conceito de “banalidade do mal” e é isso que a experiência de Milgram comprova: um ser humano que já não pensa por si próprio é um Homem sem valores, sem noções de bem ou de mal.

Quais as conclusões que podemos tirar da nossa primeira ferramenta? Nunca, nunca parar de pensar. A ferramenta “razão” é talvez a mais útil das duas porque ela nos ajuda a definir com maior precisão os valores. No entanto, esta nunca pode ser utilizada sozinha porque a razão, por ela só, não pode provar, por exemplo, que eu “não posso fazer ao outro o que eu não quero que me façam”. A razão tem que sempre ser complementada por uma outra ferramenta que eu chamo “sensibilidade” e que eu quero explicar com uma outra experiência: síndrome de Estocolmo.

A síndrome de Estocolmo é um efeito peculiar e bastante conhecido. Ele consiste numa relação forte que se cria entre refém e sequestrador num âmbito de grande tensão. Por exemplo, houve um dia num comboio em Holanda um sequestro por independentistas das ilhas Molucas. Eles ameaçaram de matar uma pessoa por dia enquanto as suas condições não forem satisfeitas. O dia seguinte, eles escolheram um homem, pai de família, para ser executado. Ele pediu no entanto se ele podia deixar uma última mensagem à sua família antes de morrer. Depois do chefe dos independentistas ter ouvido a sua mensagem, foi afinal uma outra pessoa que foi executada. A síndrome de Estocolmo não é uma doença qualquer: o chefe dos sequestradores identificou-se com o refém que ele considerava como um mero objecto e decidiu salva-lo a vida, trocando-o por um outro.

O que nos mostra a segunda ferramenta? Nunca, nunca parar de sentir. É a partir do momento onde pensamos que um outro ser humano é um lixo ou um objecto que podemos usar que já não estamos a sentir. Nós nos esquecemos que este tem provavelmente uma família, amigos e, quando estamos em profundo contacto com ele, nós nos identificamos a reparamos de repente a terrível verdade: nós nem somos tão diferentes. Pior, somos seres humanos e partilhamos, em imensos aspectos, os mesmos gostos, as mesmas aspirações, os mesmos sonhos. Há quem disse um dia que um Homem não era completo enquanto não conhecia o Amor, a guerra e a pobreza. Esta pessoa devia ser muito sabia porque ela descobriu como é que os nossos antepassados fizeram para, de forma geral e abstracta, determinar os nossos valores actuais: sentindo os piores dos sofrimentos na pele deles. E é quando começamos a sentir determinados sofrimentos que deslizamos perante uma difícil verdade: se eu estava no lugar desse tipo agora mesmo, estava mal, muito mal; e por isso, não quero que isso lhe aconteça; por o simples facto de ele ser um ser humano e de eu próprio também o ser, ele não deveria sofrer.

Reparem que pensar e sentir em vista de descobrir a moral são duas coisas relativamente difíceis de conciliar: quando se pensa demasiado, já não se sente e quando se sente demasiado, já não se pensa. Ou seja, um intelectual que esteja longe de tudo e de todos pode facilmente tomar decisões de uma incrível frieza. Ao contrário, reparem como o grevista impulsionado por o seu ódio pode facilmente matar. Podemos dizer que entre o liberal que não sente e o comunista que não pensa, nenhum dos dois tem razão. Mais uma vez, a virtude está no meio. Mas hoje em dia, já nem somos nem um nem outro: as pessoas, por causa da sociedade consumista, pararam em muitos aspectos de sentir e de pensar ou continuam sem encontrar um bom equilíbrio entre os dois.

Não foi ainda há poucos dias que eu encontrei um jovem dizer “É quando eu vi os estragos do trauma pós-abortivo que eu tive de mudar a minha opinião sobre o tema”? Nem foi há assim tanto tempo que eu encontrei este médico, no entanto a favor da eutanásia, que dizia que praticar uma eutanásia era “um gesto difícil e pesado” enquanto ele acreditava, paradoxalmente, que era uma forma de aliviar a dor. Poderíamos simplesmente dizer com os meus exemplos que as pessoas só não utilizam uma das ferramentas, a da sensibilidade, mas não é verdade: justificar o aborto ou a eutanásia passa muitas vezes por meramente dizer que as pessoas têm direito ao corpo delas, sem mais. Uma argumentação nunca deveria ser assim tão simples, as pessoas deveriam saber pensar… e sentir, vivendo o que elas estão a dizer.

Aucun commentaire: